O consumo da arte
- Kelly I. Schuelter
- 10 de abr. de 2017
- 4 min de leitura
A valorização da arte está perdendo o seu lugar para produtos de consumo; os filmes e a arquitetura, que segundo o Manifesto das Sete Artes proposto por Ricciotto Canudo, em 1912, são artes listadas como as 7 Grandes Artes, estão sendo produzidos para agradar ao público sem se preocupar com um propósito maior. Transformando suas obras, em peças simples, fácil de se entender e de agradar a parcela da população desejada, que de acordo com Betina Adams: “A produção gera no consumidor a necessidade dos produtos, como se observa com o objeto de arte, que cria um público capaz de compreender a arte e de apreciar a beleza. ”. Pensamento este, que será discutido no decorrer desta crítica, através de uma relação entre o consumo de filmes comerciais e a atual arquitetura comercializada.
Por exemplo, os destaques de filmes nos cinemas assim como os projetos de arquitetura de casas geminadas e edificações residenciais verticais, realizadas como produtos em série, estão, atualmente, obtendo uma maior valorização pela sociedade. Filmes genéricos de ação ou de super-heróis ganham uma maior repercussão e atingem recordes de bilheterias, enquanto filmes vencedores de categorias importantes nas premiações de cinema recebem, na maioria das vezes, a falta de compreensão por parte do público ou até mesmo são desconhecidos. Assim como os projetos arquitetônicos, que preenchem as paisagens urbanas, e tem uma maior aceitação por parte da população, são aquelas que carecem de qualidade projetual, enquanto que as edificações com discussões urbanísticas e de ocupação arquitetônica não são reconhecidas pelo grande público.
Filmes como Moonlight do diretor Barry Jenkins - vencedor do prêmio Oscar 2017 de melhor filme - dispõe de uma rica direção, com uma história forte, sendo composta por diversas discussões sociais e debates sobre gêneros, esses elementos são encobertos por uma trama simples e lenta, onde a percepção da beleza do filme encontra-se na fotografia sensível, nas cores, nos toques e movimentos dos personagens, forçando com que o telespectador dê uma maior atenção aos detalhes do filme, causando uma reflexão sobre o conjunto da obra e consequentemente o levando a compreensão.
Se analisarmos o projeto Villa Verde Housing do escritório Elemental, de Alejandro Aravena - vencedor do prêmio Pritzker 2016 – do qual contém um estudo de volumetria simples e com o conceito elaborado. É constituída por uma forma única segmentada ao meio, com uma de suas metades praticamente livre de elementos, possuindo apenas vigas estruturais, e a outra parte sendo composta por elementos sólidos com aberturas populares. O projeto foi elaborado de uma forma que possibilitasse os moradores da habitação a desenvolverem e ampliarem as suas respectivas residências de seu próprio modo e em seu tempo, obtendo, consequentemente, volumetrias diferenciadas com as características de cada inquilino, além de possuir uma preocupação social, urbana e sustentável. O objetivo da obra talvez não seja claro ao primeiro contato, muitas vezes recebendo, por maior parte da população, o título de arquitetura feia. Nesse caso é necessária uma análise geral, onde se pode observar o seu entorno e a sua função como um todo, apenas dessa forma a sua compreensão é adquirida e a sua beleza exposta.
De fato, a atual sociedade se acomodou a ter a sua disposição informações mastigadas e diretas. A constante demanda por informações rápidas e de rasa compreensão pode influenciar nas escolhas do consumo das artes, que em muitos casos, geram frutos, como a ausência da experiência reflexiva e consequentemente a percepção falha das obras. Em virtude disso, o consumidor da preferência a filmes sem grandes propósitos, que se camuflam através de uma extravagante quantidade de efeitos visuais e de ápices de ações e dramas, uma vez que, as respostas para tal tramas estão exposta, não sendo necessária uma reflexão sobre a mesma. Essa circunstância é similar na arquitetura, onde os projetos mais procurados pela população e frequentes nas cidades são aqueles com fachadas cheias de elementos visuais e texturas, carentes na utilização de propostas sustentáveis, materiais adequados, ambientes com proporções confortáveis, fluxo apropriado, uma acústica conveniente, boa iluminação e ventilação natural. Agradando superficialmente o cliente, sem ao menos indagar se a obra é bem resolvida, segundo preceitos teóricos da Arquitetura.
Diferente de hoje, o consumo, e a própria obra de arte, que sempre foi e será a expressão máxima de uma cultura, exemplificando seu tempo e seu povo, eram considerados uma forte arma de protesto em tempos de crises, tendo o objetivo de lutar contra a alienação cultural, pregando temáticas críticas sobre problemas sociais, deixando em foco a realidade do país. Esse propósito é demostrado em diversas obras como nos filmes do movimento Cinema Novo, músicas do Bossa Nova e a arquitetura Modernista. Uma vez que, movimentos como esses, tinham a dádiva de unir a população em manifestações políticas e sociais. Hoje, a arte perde sua força política e é transformada em mero produto de consumo, como diz Betina Adams “De objeto sagrado, se transformou em recordação, através dos retratos. As cenas, antes divinas, com o capitalismo perdem sua transcendência e tornam-se cenário da operosidade. O valor artístico transforma-se em mercadoria. ”. A arte carece de seu objetivo principal, que é substituído pela venda e reprodução em massa, onde se pode colher uma maior quantidade de capital, desviando assim, o seu verdadeiro propósito de expressão cultural e humanitário. Dessa forma, a sociedade irá perdendo o ato de reflexão e discussão sobre assuntos distintos, podendo chegar a diversas interpretações, causando soluções mais criativas e funcionais, como diz Ana Mae Barbosa - uma das principais referências no estudo de arte-educação no Brasil - “Ao interpretar, você amplia a sua inteligência e a sua capacidade perceptiva, que vai aplicar em qualquer área da vida”. Além de tudo, a sociedade pode perder a prática de se relacionar em conjunto, proporcionando uma perca de compaixão e compreensão ao próximo, uma vez que “A arte também participa dessa campanha de não-violência, porque ela dá ferramentas para a expressão de subjetividades” diz Ana Mae Barbosa.
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